O mestre ignorante
Joseph Jacotot e a educação emancipadora
Por Janete Pinto
Jacotot foi um grande pedagogo francês do início do séc.XIX. Sua história foi contada por Jacques Rancière em seu livro O mestre ignorante, que o retrata com muita propriedade e se refere a ele como um “extravagante” pedagogo, com suas proposições decerto mais instrutivas que as racionais para a época. Jacotot foi um grande revolucionário em seu tempo, nos idos de 1789 na França, um país emergindo das desordens instituídas nas lutas pelas (des) igualdades sociais e na avidez por uma nova ordem que trouxesse o progresso e a capacitação dos sujeitos até os limites de que fossem capazes buscando fornecer a esses a qualificação necessária e bastante para a formação das elites e a inserção pacífica do povo na nova ordem que surgia.
Numa de suas colocações ele afirma que os partidários da proposição da igualdade não têm que instruir o povo, buscando aproximá-lo da igualdade, eles têm que emancipá-lo. Afinal, trata-se de uma questão puramente filosófica, saber se a instrução vinda do outro é uma forma de levar à igualdade ou à desigualdade.
Num outro momento ele afirma que as sociedades nessa época admitiam claramente a divisão de classes e as desigualdades. Para eles a instrução formal era um meio de levar os indivíduos da classe baixa a um termo razoável, o suficiente para que ele se sentisse inserido em algum lugar, ou melhor, em seu devido lugar. Ainda assim a classe alta se intitula como sociedade homogênea e a escola fica teoricamente encarregada de anular as desigualdades cada vez mais profundas e proclamar a redução da distância entre as classes, num esforço contínuo, que afinal vai legitimar o poder da oligarquia e que premiar apenas os melhores da escola.
Nesse contexto surge Jacotot, por volta de 1818, um leitor da literatura francesa que ensinava Retórica em Dijon e foi convidado a ensinar suas lições a alunos, onde muitos não entendiam o francês. Aceitando o convite optou por improvisar algumas técnicas na tentativa de superar as dificuldades da língua e viu, para seu espanto que os resultados superaram suas expectativas, quando seus alunos, privados de qualquer explicação acerca do livro que deveriam ler e que inclusive não sabiam o idioma, apresentaram resultados maravilhosos.
A partir desta experiência bem sucedida concluiu que a tarefa do mestre não é a de transmitir seus conhecimentos, como ele mesmo pensava até então, não é explicar e reduzir os conteúdos a elementos bem simples, mas deixar que descubram por si e efetivamente construam seu conhecimento. O nosso sistema tradicional de ensino requer muitas explanações. Os alunos sempre esperam que o mestre explique o que contém os livros. Há que ter uma explicação para que eles entendam o que já está explicado nos livros. Pensava ele que ninguém garante que as explicações dadas pelo professor serão as mesmas entendidas pelos alunos. Mas “por que teria o livro necessidade de tal assistência”? (p.21). Um pai ao invés de pagar pelo livro e depois pagar pelo explicador não poderia dar diretamente esse livro ao filho e deixar que ele se entenda com as explicações contidas ali? Seria mais fácil compreender o raciocínio de quem quer ensiná-lo a raciocinar do que raciocinar sozinho sobre o que lê? Que relação é esta entre o poder da palavra e das letras e a palavra do mestre?
Por acaso não aprendem as crianças o que nenhum mestre pode lhes explicar, a língua materna? Desde cedo não se fala deles, com eles e em torno deles? Também eles não ouvem, repetem, erram e acertam e erram de novo e continuam com o processo até aprender, observando, imitando, tomando o outro como exemplo, sem precisar de explicadores ou mestres?
Por tudo isso Jacotot refletiu e concluiu que precisava modificar e reverter esse sistema pedagógico, uma vez que todos podem compreender sozinhos, pois todos têm capacidade para isto. Na prática o que ele queria dizer é que não precisamos necessariamente saber tudo, mas cada um precisa aprender alguma coisa, qualquer coisa e assim associar isso com todo o resto. Para ele, esse é o princípio do Ensino Universal. Não se deve sobrecarregar a memória, antes, deve-se formar a inteligência.
Jacotot cria um método que ele chama de emancipador, partindo da premissa de que mesmo quem é ignorante em qualquer assunto pode aprender sozinho não necessitando de nenhum mestre para lhe decifrar o que está contido nos livros. O importante é que cada aluno seja emancipado, ou seja, tenha que buscar sua aprendizagem fazendo uso de sua inteligência apenas, sem ficar dependendo de um explicador. Para ele ninguém é mais inteligente que o outro e qualquer indivíduo que nada entenda que química pode ensiná-la para os outros, bastando que para isso, vá em busca de aprender primeiro. Assim num determinado contexto cada um vai em busca de aprender alguma coisa e depois trocará experiências com os outros, produzindo daí novos conhecimentos.
Jacotot defende que este método deveria ser usado especialmente com a população mais pobre, que sofre com os preconceitos. Entretanto, afirma ele, para emancipar alguém é preciso antes, emancipar a si mesmo; é preciso conhecer a si mesmo e as suas limitações para poder superá-las. É importante ter clareza que quem se é e qual o seu papel na ordem social. Afinal, no oráculo em Delfos está escrita a máxima: ”Conhece-te a ti mesmo” e esse deve ser o objetivo de todo cidadão e esse trabalho exige que cada um seja um artesão. Desta forma qualquer ser pensante desenvolverá, mesmo sendo ignorante, sua noção de física, de gramática, de cálculos e de fatos históricos. Assim, esse para Jacotot será realmente emancipado.
Referência
Rancière, Jacques – O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual – tradução de Lílian do Valle, 3 ed. – Belo Horizonte; Autêntica, 2010
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