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sábado, 31 de julho de 2010

Filosofia e Psicanálise - Lacan e Sócrates -II

Complementando o texto anterior, onde falávamos sobre Lacan e Sócrates, seguem as partes finais deste trabalho.

Escrito por Walter Cezar Addeo



A Mulher Não Existe


O masculino estará sempre atrás de um fantasma idealizado de mulher. Do feminino que só existe em sua carência e vazio. Elas jamais poderão preencher isso.

É famosa a apropriação de Lacan do conto de Edgar Allan Poe intitulado A carta roubada, em que ele mostra que assim como o sentido último dos significantes nunca é alcançado, esta carta roubada também tem vários destinatários e nenhum; seu conteúdo nunca pode ser apropriado inteiramente, mantendose apenas como uma potencialidade de sentido e, no caso do conto de Poe, uma potencialidade de poder para quem a possui. Metáfora certeira para a palavra que sempre cerca seu sentido, mas nunca o alcança.




Édipo e a Esfinge, de François-Xavier Fabre A estruturação do Édipo se dá na infância, quando se reconhece a interdição da possibilidade de gozo pleno com a mãe por ela pertencer ao pai. Na tese lacaniana, tal interdito é denominado "O Nome-do-Pai"


Por mais visível e audível que as palavras sejam, elas nunca podem ser decifradas totalmente - seu significado sempre desliza e escapa - da mesma maneira que a carta roubada, no conto de Poe, desliza continuadamente por vários possuidores.

Mesmo estando perfeitamente visível e disponível em cima da lareira, nunca é vista pelos que a querem encontrar. Bem, a mulher e o desejo do homem pela mulher teriam também essa característica. Por mais próxima que a mulher esteja do homem, ela é sempre invisível para ele, o que fará Lacan formular a frase paradoxal de que a mulher não existe. Frase aparentemente absurda e que causou polêmica.

Como dizer isso se o homem faz sexo com uma mulher desde sempre? Lacan dirá que os homens, na verdade, fazem sexo com todas as mulheres e não com uma em especial, repetindo no seu inconsciente o tempo da horda primitiva, em que todas as mulheres pertenciam a um único Pai mítico, dono do falo.

A mulher como individualidade lhe escapa sempre. Na verdade, ela, como todo objeto de desejo, pertence à esfera desse "objeto a", parcial, metonímico por definição, mas que consegue ancorar a pulsão do desejo por algum tempo. A mulher real e individual presente no ato sexual representa, portanto, apenas uma possibilidade nessa série infinita que alucina o masculino.

O filme Closer, do diretor Mike Nichols (do roteiro baseado na peça teatral homônima de Patrick Marber) pode ser utilizado como exemplo. Este texto parece ter um segundo roteirista oculto, o próprio Lacan. O título na versão brasileira recebeu um acréscimo, tornou-se Closer - Perto demais. Lacan concordaria com o acréscimo. Perto demais, a mulher torna-se ainda mais inexistente para o masculino.

Cena de uma stripper, no filme Closer. A personagem exibe-se nua, mas a ninguém revela seu mundo interior, o que reproduz a ideia lacaniana de que a mulher não existe porque o homem nunca a vê como realmente é visível e oculto.

Inicialmente, o roteiro cria profissões emblemáticas que já definem o que acontecerá com o relacionamento dos amantes. Dan é um jornalista encarregado da seção de obituários. Ele mesmo conta como os obituários são redigidos para esconderem sempre a pessoa real.

O que de fato as pessoas foram na vida não importa nos obituários. Mas sim, a visão edulcorada e elegante em que todos se transformam em pais amantíssimos, esposos fiéis e profissionais competentes, mesmo que tenham sido sempre o oposto disso tudo.

Ou seja, nem mesmo na morte, revelamos o que somos de fato. O falso obituário dos jornais incumbe-se de manter o distanciamento necessário da pessoa real. O obituário, que deveria revelar finalmente a pessoa, a mantém, agora, definitivamente distante.

Anna, por sua vez, é fotógrafa especializada em retratos de desconhecidos que ela fotografa em grandes closes. Rostos anônimos, mas ela os exibe em grande proximidade, em grandes ampliações. Mesmo com tal exposição ampliada, eles continuam desconhecidos. É uma falsa aproximação. Rostos próximos demais. Tão desconhecidos quanto os das mulheres quando elas se apresentam para os homens que pensam que as vêm por inteiro e acreditam saber o que elas são e o que estão vendo.

Larry é médico dermatologista. Perto demais do corpo das pessoas. Próximo da pele. Mas nunca além. O dermatologista se detém na epiderme das pessoas, nunca ultrapassando esse limite externo do corpo. Nunca penetrando realmente no âmago do paciente. Sempre na epiderme, nesta exterioridade que nos delimita do exterior. Assim será também em seus relacionamentos com o feminino. Nunca indo além da sexualidade explícita. Não é à toa que será ele quem exigirá tudo da stripper. Visão total. Mesmo assim, ele não conseguirá ir além da epiderme ginecológica da mulher.



O Casamento de Peleus e Thetis, de Cornelis Van Haarlem. Uma mulher, como ser individual, contém o desejo masculino por algum tempo. Mas é apenas uma possibilidade na busca sexual que o alucina, explica Lacan


Jane, por sua vez, é a stripper que se dá totalmente ao olhar do masculino. Olhar que nunca consegue ir além do seu corpo em exibição, da sua epiderme. Pertos demais do seu corpo nu, os olhares masculinos estão sempre longe demais dela como mulher. Ela é a que encerra, em sua profissão, o paradoxo dessas relações íntimas que estão sempre à distância. Ela é um "objeto a" por excelência, pois oferece seu corpo como objeto parcial de um desejo nunca realizado.

Neste jogo de espelhos falsos, de miradas falsas, ela é um equívoco desde o início do filme. Jane, desde seu primeiro encontro com Dan, usa um nome falso - Alice. O relacionamento dos dois já inicia com uma Alice que não existe. É emblemático que a primeira frase que Alice dirige a Dan, logo no início do filme, seja "Olá estranho!".

O filme será justamente sobre esse eterno estranhamento entre homens e mulheres dentro da cultura. A relação deles será, portanto, um labirinto de aproximações falsas. Eles estão obcecados em fazer sexo com elas e saber dos detalhes eróticos quando elas os traem. Claro, tudo temperado com o pretexto de que as amam acima de tudo. Isso não impede que eles a traiam.

E vice-versa. Mas o que seria do erotismo deles se não fossem as traições que eles pressentem e de certa forma, inconscientemente, estimulam? Como Lacan nos observou, há sempre um terceiro envolvido em toda relação sexual, que pertence ao imaginário masculino e que é justamente essa fantasmagoria da mulher e sua sexualidade inesgotável. Elas sabem que eles são assim mesmo e respondem suas intermináveis perguntas com todos os detalhes eróticos que eles exigem. Eles, entretanto, nunca sabem exatamente o que elas são e se o que dizem é verdadeiro. Como Lacan dissera, elas não existem para eles como individualidade

O homem está preso à fantasia original de desejo por todas as mulheres e por aquela mãe interditada que pertenceu ao Pai mítico.

Nesse sentido, é lapidar a cena em que os dois homens acessam a internet, numa dessas salas de encontros, e um deles finge que é uma mulher. O namoro virtual logo descamba para uma espécie de sexo virtual. O que prova que para o homem basta que ele tenha uma projeção de mulher em sua mente para que tudo funcione e a relação sexual se faça (daí essa relação, no fundo, ser inexistente).

Afinal, tudo não passa mesmo de uma fantasmagoria masculina. Portanto, tanto faz ser uma falsa mulher virtual com quem ele conversa na internet ou uma mulher real que ele fantasia. A mulher real não existe nunca para o homem. Está para além de suas possibilidades, uma vez que ele está preso à fantasia original de desejo por todas as mulheres e por aquela mãe interditada que pertenceu ao Pai mítico. Relaciona-se, então, com sucedâneos simbólicos incompletos desse poder do pai. Há, portanto, uma impossibilidade ontológica de que esses dois gêneros possam se encontrar realmente.

Daí a necessidade de uma retórica amorosa para que eles criem um simulacro de relacionamento. Mas quando esses diálogos se dão no filme, surgem numa chave cínico-irônico-amorosa paradoxal que corta cirurgicamente a velha retórica amorosa com que os filmes românticos costumam anestesiar suas plateias. Revelam magistralmente o que realmente está por debaixo dos arrulhos amorosos dos casais enamorados


   

Casal Rustico, de Albrecht Dürer. A mulher, diferente do homem, não passa pela interdição do desejo na infância e não vive na busca incessante de preencher um vazio. Para Lacan, homens e mulheres não são iguais
O masculino estará sempre atrás de um fantasma idealizado de mulher. Do feminino que só existe em sua carência e vazio. Elas jamais poderão preencher isso


Talvez, a cena em que mais se revele essa fissura entre homem e mulher seja a do clube noturno onde Alice/Jane faz strip-tease. A figura da stripper é simbolicamente carregada.

Essa mulher que se despe completamente para os olhares masculinos estaria, portanto, tão próxima fisicamente dele que, finalmente, ele poderia dela se apropriar inteiramente. Entretanto, nesse momento de aproximação máxima é, justamente, quando ela fica mais distante, constituindo-se em simulacro inatingível de desejo e de fantasia.

No clube, Larry, um dos lados desse quarteto improvável, pede para vê-la totalmente nua e ainda paga para que ela exiba suas partes íntimas, da maneira mais crua. Aproximação visual máxima do corpo feminino que, entretanto, não preenche as frustrações e desejos do homem.

Ele também paga alto para que ela lhe diga seu nome verdadeiro. Ela o diz. Mas ele pensa que ela mente. E ela não esclarece a confusão dele. Não é preciso. Ele nunca saberá mesmo o que as mulheres são, qual o nome certo que elas têm. Tanto faz, portanto, seu nome verdadeiro que ele pensa ser falso.

O seu corpo perfeito de stripper, apesar de cruamente nu e real, também é um velamento, uma alegoria de todas as mulheres possíveis. E não adianta que ele a veja assim tão de perto e despida. Para ele, a mulher como individualidade, como outro sujeito também ferido pela castração narcisística, sempre estará para longe de suas possibilidades. Aqui a visibilidade total da mulher é índice do seu total ocultamento, o que nos remete novamente à símile da "carta roubada" do conto de Poe, que também está oculta justamente por estar totalmente visível sobre a lareira da sala


Para Lacan, a mulher real não existe para o homem. O que há é a projeção que cria em sua cabeça. Por isso, ele é capaz de se realizar com mulheres virtuais, talvez fantasiosas
Nuas e perto demais, elas, paradoxalmente, são sempre invisíveis. O masculino estará sempre atrás de um fantasma idealizado de mulher. Do feminino que só existe em sua carência e vazio. Elas jamais poderão preencher isso. Só poderiam fazê-lo se concordassem em ser o objeto fantasmal deles, encarnando para o homem a significação da castração e, assim, transformarem-se num falo compensatório. E elas sabem disso.

Por isso mesmo, fingem que são as mulheres que eles pensam que vêm e amam. Que uma delas, Anna, introjete essa culpa e impossibilidade de relacionamento real, apenas a faz prisioneira total dessa carência masculina que na verdade não concerne às mulheres. De certo modo, ela é infeliz porque eles são infelizes com elas e estão a se relacionar sempre com mulheres inexistentes.

Portanto, a frase de Lacan, aparentemente absurda, encontra em Closer sua ilustração. A mulher realmente não existe. É a demonstração dessa frase que pareceu insultuosa às feministas, mas que, na verdade, revelava o jogo de espelhos falsos na relação do masculino com o feminino. Ambos preenchem momentaneamente e por pouco tempo o vago fantasma que o "objeto a" tenta compensar.

Desses fantasmas é que cada um - homem e mulher - estão enamorados por algum tempo. Não é à toa, portanto, que o filme comece e termine com uma mulher nas ruas envolvida pelos olhares masculinos que passam. Esses olhares fugazes e oblíquos as reconstroem muito longe do que elas realmente são.

Perto demais do feminino é sempre muito longe para o masculino. Eros nunca preencherá essa carência, seus objetos de desejo sempre lhe escaparão por algum furo, por algum vazio, por mais astúcia que utilize em sua captura. Somos seres desejantes destinados a incompletude, e é isso que nos faz caminhar. Lacan já sabia dessa carência do pequeno deus Eros pela voz de Sócrates quando retomou o tema do amor nos seus seminários. Perto demais do desejo é sempre longe demais.

REFERÊNCIA

DOR, Joel - Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 
JAKOBSON, Roman - Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, s/d 
LACAN, Jacques - Seminário 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992 
IDEM - Seminário 18: De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009
IDEM - Seminário 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1982 
IDEM - Escritos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978
MILLOT, Catherine - Nobodaddy, A histeria no século. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988 
PLATÃO - "O Banquete" in Obras completas, Aguilar, 1972 
ROUDINESCO, Elisabeth - Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo: Cia. das Letras, 1994


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