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sábado, 31 de julho de 2010

Filosofia e Psicanálise

A todos aqueles que pretendem caminhar na senda da filosofia e da psicanálise uma boa leitura,
que pretendo postar em duas partes. Esta é a primeira delas.

Assim como uma deliciosa comidinha caseira deve ser degustada com todo prazer, este texto da mesma forma, é para ser apreciado e estudado com muito afinco.


O amor na teoria de Jacques Lacan

"O gozo pleno, oriundo da mãe, é interditado pelo pai. A partir daí, o homem vive uma busca constante por sanar sua incompletude. Cada mulher é uma tentativa, sempre fracassada, de saciar seu desejo primordial".

                                             Por Walter Cezar Addeo - waddeo@uol.com.br em 
                                      http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESFI/Edicoes/38/artigo147897-2.asp

Tão célebre quanto o desabafo de Freud quando perguntou exasperado - "afinal, o que querem as mulheres?" (e ele realmente não sabia) -, foram duas frases de Jacques Lacan ao enunciar que "a relação sexual não existe" e, finalmente, que "a mulher não existe". Dois paradoxos, aparentemente, uma vez que a humanidade se mantém por intermédio do ato sexual e as mulheres representam metade da espécie humana.

Para esclarecer essa questão, teremos de refazer alguns percursos da teoria lacaniana e colocar alguns personagens ficcionais em seu divã a título de ilustração. Em seu seminário intitulado A transferência, Jacques Lacan (1901-1981) fará uma belíssima exegese do texto conhecido como O banquete, em que Platão nos apresenta Sócrates falando sobre o amor, sobre o desejo e onde encontramos a gênese de um dos conceitos lacanianos fundamentais para sua teoria - "o objeto a" - este estranho dispositivo que arrastará o desejo humano para uma deriva sem fim, mesmo tentando ancorá-lo em soluções parciais.

Do que trata esse diálogo platônico? Primeiramente, ele nos é contado em terceira mão. Platão não estava presente quando os fatos aconteceram. Ele ouve o relato da boca de Apolodoro que, por sua vez, o ouvira de Aristodemo, o qual participara efetivamente do simpósio oferecido por Agatão. Nesse simpósio, falaram Pausânias, Eriximaco, Aristófanes, o próprio anfitrião Agatão e finalmente Sócrates.

Todos falam sobre o amor que é o tema escolhido para aquela noite. Alcibíades faz uma entrada tardia e coloca Sócrates numa situação delicada ao revelar a relação amorosa e de admiração que ambos teriam um pelo outro. Lacan irá analisar cada uma dessas falas, privilegiando o diálogo final entre Sócrates e Alcibíades que nos apresentará o termo "Agalma", uma das primeiras formulações do que será futuramente o "objeto a".

Interessanos apenas uma em especial. A fala de Sócrates, que na verdade, não seria propriamente dele, pois ele estaria apenas relatando o que ouvira de Diotima de Mantinéa, ou seja, apesar de não estar presente no banquete, ela fala pela boca de Sócrates. Lacan defenderá a tese de que é Sócrates quem realmente fala, por meio de sua "alma feminina" e que usa esse subterfúgio, inclusive, para não constranger seu anfitrião Agatão, cujas teses serão desconsideradas. E o que fala Diotima de Mantinéa por meio de Sócrates? Um relato psicológico sobre a gênese do amor que espanta pela argúcia e modernidade, ao ponto de Lacan o recuperar por completo em sua clínica. Vejamos o relato:

"A libertação do desejo conduz à paz interior" 
LAO-TSÉ


Em O Banquete, Platão faz uma genealogia do amor e atribui suas ideias a uma explicação dada a ele por Diotima de Mantinéa, que diz ser uma sacerdotisa grega

Diotima conta que Eros, o deus do amor, foi gerado no dia em que nasceu Afrodite, quando os deuses participavam de um banquete. Entre eles estava Poros, filho de Métis, também chamado de "o astucioso", "aquele que tem expediente", que, completamente embriagado com néctar, entrou no jardim de Zeus e adormeceu.

Este nome, etimologicamente, também remete à ideia de uma abertura, uma passagem, uma travessia, enfim, um furo, um vazio. Terminado o jantar dos deuses e apesar de não ter sido convidada, aparece Penia que veio mendigar restos do festim.

Penia é a personificação da pobreza, da carência. Etimologicamente provém de um verbo que significa "afligir-se", "trabalhar por necessidade", "esforçar-se com" e posteriormente também agrega os sentidos de "estar em dificuldade", "ser pobre". Penia em sua miséria ao ver Poros embriagado e adormecido desejou ter um filho com ele. Deitou-se ao seu lado e concebeu Eros.

Eros trará consigo as marcas dessa dupla gênese. De sua mãe Penia, cuja pobreza a define como eterna mendicante, ele herdará uma falta congênita e se esforçará sempre para obter aquilo que não tem, ou seja, vive sob o emblema de uma carência jamais preenchida, mas que se esforçará por compensar.

Para isso herdou de seu pai Poros a astúcia e o expediente necessários para tentar conseguir aquilo que não possui.

Eros, o deus do amor, nasceu de Penia (carência, pobreza) e Poros (astúcia). Da dialética entre carência e astúcia move-se o desejo.

Dessa dialética entre carência e astúcia movese o desejo, agita-se Eros infinitamente. É a matriz lógica, remota, desse futuro "objeto a" teorizado por Lacan, essa letra que procura e está sempre no lugar de um "outro" que nunca é alcançado.1 Em Lacan, essa incompletude e carência universalizam-se, atingindo agora toda e qualquer pulsão do desejo.

Mas como se verá na aventura da Psicanálise, toda atualização do desejo será sempre sob uma forma parcial, compensatória para apoderar-se daquilo que Lacan chamou de "o Nome-do-Pai", essa nova fórmula interpretativa do complexo de Édipo levada a efeito pela revolução lacaniana que, expandindo seu antigo sentido freudiano, integrou homens e mulheres em uma mesma aventura psíquica.

Para as referências etimológicas foi utilizado o Dicionário Mítico-Etimológico, vol. II de Junito Brandão, Edit. Vozes, Petrópolis, 1992.


O Dia da Morte, de William-Adolphe Bouguereau. Lacan afirma haver algo além do sujeito desejante e que ele busca para si. A resposta sobre o que seria está ligada à ideia de luto, de uma perda, de algo que não mais existe.


Para entendermos um pouco melhor essa novidade teórica da clínica lacaniana, lembremos que esse símbolo "a", constante no termo "objeto a" não se refere à primeira letra do alfabeto, mas à primeira letra da palavra francesa "autre" (outro, em português) e que essa letra "a" em minúsculo qualifica, portanto, sempre uma alteridade, alguma coisa que está para além do sujeito desejante e que ele quer para si.



Assim, quando esse "objeto a" se instala como função psíquica compensatória, temos de procurar responder sempre quem é esse "outro" que se coloca no lugar do meu desejo. Lacan começaria a pensar este conceito a partir da leitura de Luto e Melancolia de Freud. Juan-David Nasio observa com bastante acuidade que neste artigo, "ao se referir à pessoa que foi perdida e de quem se faz o luto, Freud escreve a palavra "objeto", e não "pessoa".

Freud, portanto, já fornece a Lacan uma base para responder à pergunta "quem é o outro?" e construir seu conceito de objeto a."

Note-se que nesta gênese freudiana do conceito lacaniano já se inscreve a ideia de uma perda, de alguma coisa que não existe mais, de um fantasma do qual temos de fazer o luto para nos libertarmos de sua lembrança.

Para o homem é o trauma da castração, da perda simbólica do falo, da necessidade de ter acesso ao Nome-do-Pai, essa instância de poder que precisará ser recuperada de alguma forma. Portanto instaura-se aqui uma carência que só poderá ser preenchida parcialmente ou transformada em narrativa na clínica psicanalítica, quando, então, no processo de transferência, o analista assume ser o "objeto a", tornando-se, ele mesmo, este "outro do desejo" do analisando para que ele o supere.

2 NASIO, J.D. - Cinco lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 92

Inconsciente

Avancemos mais de 2 mil anos da cena desse Banquete para encontrar Jacques Lacan num dos seus seminários, denominado O desejo e sua interpretação, em que ele inicia a conceitualização do que chamou inicialmente de "pequeno objeto a", tema que além de ser um desdobramento do conceito de "o Nome-do-Pai" remeteu o inconsciente para uma leitura definitivamente linguística.

Lacan entenderá o inconsciente radicalmente estruturado como uma linguagem, e isso terá consequências sérias tanto na prática psicanalítica quanto na teoria linguística, abrindo duas frentes de batalha. Por corresponder a um inconsciente entendido como falta, a linguagem, ela mesma, será para sempre incompleta em sua significação. Entre a nomeação das coisas e sua significação haverá sempre uma sutura mal feita.

Assim, nenhum significante comportará um significado completo e irredutível, mas deslizará constantemente por uma cadeia de significantes arbitrários, sem nunca ter fim. Só uma atitude comandada pela necessidade pragmática de comunicação é que pode interromper, barrar esse sentido sempre em aberto do significante e fazê-lo cristalizar-se por algum tempo. Mas o desejo sempre conseguirá fazer que os significantes se movam e falará através das fissuras deixadas descobertas.


                                        Eros e Afrodite, de Henri Camille Danger. Eros, deus do amor, é filho de Penia, representante da penúria, e de Poros, ligado à astúcia. Por isso é mendicante, mas cheio de artimanhas. Assim seria o desejo, segundo Lacan


Essa visada linguística do inconsciente, iniciada por Lacan quando de suas leituras da obra de Ferdinand de Saussure, irá encontrar sua solução madura na leitura que fará de Roman Jakobson. Nesse momento, introduz em sua teoria dois elementos novos: a metáfora e a metonímia.

Elas serão para Lacan as duas leis fundamentais do inconsciente. Deslocamentos (metonímias) e condensações (metáforas) responderão também pela fala do inconsciente, onde a estrutura metonímica de justaposições e acoplamentos será o ponto de referência para caracterizar a estrutura do desejo.

No processo metonímico temos um deslocamento em que uma parte é tomada pelo todo, da mesma forma que no "objeto a" alguma coisa toma o lugar, parcialmente, do desejo interditado ao sujeito. Igualmente, na metáfora, alguma coisa é substituída em seu sentido por outra, o que se pode flagrar facilmente na narrativa dos sonhos, sempre metafóricos por excelência.

Desde o início, portanto, é inerente ao conceito lacaniano de "objeto a" a ideia de que ele também desloca alguma coisa, tentando compensar uma "falta-aser (conforme o léxico lacaniano), colocando no lugar algo sobre o qual o sujeito pode falar. Assim, o sujeito desejante desenvolverá certa astúcia ao tentar aprisionar brevemente esse astuto objeto "a" em alguma forma transitória de satisfação, de gozo.

Uma astúcia destinada sempre a ser uma compensação e que instaura apenas uma satisfação parcial, metonímica, diante do desejo. Portanto, uma relação de substituição que transformará todo "objeto a", escolhido pelo sujeito desejante, num fantasma. E a maior fantasmagoria eleita pelo masculino será o do feminino, visado como objeto de gozo total, impossível de ser completado.

A maior fantasmagoria eleita pelo masculino será o do feminino, visado como objeto de gozo total, impossível de ser completado


Este gozo total pertenceria ao desejo pela mãe, interditado e castrado simbolicamente na estruturação do Édipo quando a criança desiste da mãe, da relação incestuosa com essa mulher que "pertence" ao Pai e que lhe é interditada pela Lei do Pai. Essa instância de interdição - o tabu do incesto - é introjetada simbolicamente pela criança como uma forma de castração e, imediatamente, na tese lacaniana, esse interdito que tem raízes antropológicas passa a ser denominado de "O Nome-do-Pai".

Ao introjetar essa Lei do Pai que proíbe o incesto com a mãe - seu objeto primário de desejo, de gozo total - a criança agora se inscreve na ordem cultural que emana desse Nome-do-Pai. Leis normativas que o definirão como um ser social que aceitou essa castração para se inserir na ordem da cultura e a quem faltará para sempre esse falo simbólico ao qual, miticamente, todas as fêmeas pertenceram um dia e que, agora, pertence ao pai que lhe interdita e o castra com relação à mãe e cujas funções ele procurará recuperar parcialmente por meio de "objetos a" metonímicos.

O falo neste contexto será sempre o significante de uma falta. Nesse sentido é que se pode entender a frase de Lacan quando diz que a "relação sexual não existe". Realmente, como "relação total", como recuperação de um "gozo total", esta relação estará para sempre interditada ao masculino. Aqui a mulher se apresenta, radicalmente, como um "inteiramente outro" para o homem ao qual ele não teria acesso, uma vez que ela não participa dessa síndrome da castração original, não precisou introjetar uma perda simbólica abissal para se constituir como sujeito.


 

Homens e mulheres realmente não são iguais na relação sexual. Portanto, é essa possibilidade de relação simétrica que é declarada inexistente. Afinal, como já se disse, "o Édipo produz o homem, não produz a mulher".3

3 SOLER, Colette - O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 17


Breve você poderá ler a segunda parte. Aguarde.





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